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O desastre do submarino Kursk: Uma análise crítica do erro humano e do fracasso institucional

Marc Jacquinet

Dezembro de 2024

Citação: Marc Jacquinet 2024  O desastre do submarino Kursk: Uma análise crítica do erro humano e do fracasso institucional. Lisboa, Universidade Aberta

Introdução

 

O afundamento do submarino nuclear russo K-141 Kursk em agosto de 2000 representa um dos desastres navais mais significativos da história pós-soviética. Esta análise examina a concatenação de erros humanos e falhas institucionais que levaram à perda de 118 vidas e alteraram fundamentalmente a perceção que o público russo tinha da capacidade do seu governo para gerir crises.



Contexto técnico

 

O Kursk, um submarino de mísseis de cruzeiro com propulsão nuclear da classe Oscar-II, estava a participar nos exercícios de verão da Frota do Norte da Rússia quando ocorreu o desastre. O navio, encomendado em 1994, representava o ápice tecnológico da frota de submarinos russa, tornando a sua perda particularmente significativa, tanto do ponto de vista militar como psicológico.

 

Cronologia do desastre

Em 12 de agosto de 2000, aproximadamente às 11:28 horas locais, estações sísmicas detectaram duas explosões no Mar de Barents. A primeira explosão, relativamente pequena, foi seguida por uma segunda detonação catastrófica de 3,5 na escala de Richter. A análise pós-incidente revelou que a explosão inicial teve origem no mau funcionamento de um torpedo Tipo 65-76A, provavelmente devido a uma fuga de propulsor de peróxido de hidrogénio.

 

Análise dos erros humanos

 

Falhas antes do incidente

 

  1. Deficiências de manutenção e formação
  • Protocolos de manutenção inadequados para torpedos voláteis de peróxido de hidrogénio
  • Formação insuficiente em procedimentos de emergência
  • Medidas de redução de custos que comprometeram as normas de segurança

 

  1. Complacência organizacional
  • Excesso de confiança na invulnerabilidade do submarino
  • Falta de atenção a incidentes anteriores envolvendo tipos de torpedos semelhantes
  • Preparativos inadequados para a resposta de emergência



Falhas administrativas pós-incidente

 

  1. Atraso na resposta inicial
  • O facto de a Marinha russa não ter reconhecido a gravidade da situação durante mais de 6 horas
  • Relutância em aceitar assistência internacional apesar das capacidades de salvamento limitadas
  • Desinformação deliberada sobre a comunicação com a tripulação
  1. Falhas de comunicação do Governo
  • A decisão do Presidente Putin de permanecer de férias durante os primeiros dias críticos
  • Declarações públicas contraditórias de oficiais militares
  • Obstrução sistemática da cobertura mediática



Análise institucional

 

O desastre de Kursk expôs problemas institucionais profundamente enraizados na estrutura militar e governamental russa:

 

Deterioração das infra-estruturas militares

 

No período pós-soviético, assistiu-se a um declínio significativo do financiamento militar, que afectou a manutenção, a formação e as capacidades de salvamento. O equipamento de salvamento da Frota do Norte estava, em grande parte, inoperacional ou obsoleto, o que dificultou gravemente as primeiras tentativas de salvamento.

 

Gestão da resposta política

 

A forma como o governo lidou com a crise revelou uma cultura institucional que dava prioridade à gestão da imagem em detrimento da eficácia operacional. Este facto manifestou-se em:

  1. Atraso na aceitação da assistência internacional
  2. Restrição do fluxo de informação ao público
  3. Tentativas de desviar a responsabilidade através de narrativas enganosas

 

Relações com os media

A relação antagónica do governo com os meios de comunicação social independentes comprometeu gravemente a confiança do público. O contraste entre as declarações oficiais e as reportagens de investigação dos jornalistas independentes evidenciou o défice de credibilidade da administração.

 

Impacto a longo prazo e reformas

 

O desastre de Kursk catalisou mudanças significativas nas operações militares e governamentais russas:

 

  1. Reformas militares
  • Melhoria dos protocolos de segurança dos submarinos
  • Modernização das capacidades de salvamento
  • Melhoria das normas de manutenção

 

  1. Mudanças políticas

 

  • Mudança nas estratégias de comunicação do governo
  • Maior ênfase na preparação para a resposta a catástrofes
  • Protocolos de relações com os meios de comunicação reformados

 

Conclusão

 

O desastre de Kursk representa uma interação complexa de falhas técnicas, erro humano e inadequação institucional. A forma como o governo lidou com a crise revelou fraquezas sistémicas na gestão de crises, na prontidão militar e na comunicação pública. O incidente serve como um estudo de caso crucial sobre a forma como as falhas institucionais podem agravar os desastres técnicos, conduzindo a resultados catastróficos.

Embora as reformas subsequentes tenham corrigido muitas das deficiências identificadas, o desastre de Kursk continua a ser um momento marcante na história da Rússia pós-soviética, alterando fundamentalmente a relação entre o governo e os seus cidadãos no que respeita à transparência e à responsabilidade em situações de crise.

 

Bibliografia

  1. Barany, Z. (2004). The Tragedy of the Kursk: Crisis Management in Putin’s Russia. Government and Opposition, 39(3), 476-503. https://www.jstor.org/stable/pdf/44483081.pdf 
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  3. Mikes, A., & Migdal, A. (2014). Learning from the Kursk submarine rescue failure: The case for pluralistic risk management (No. 15-003). Harvard Business School. https://serval.unil.ch/resource/serval:BIB_945E25D6F2F1.P001/REF.pdf 
  4. Moore, R. (2002). A Time to Die: The Kursk Disaster. Bantam Press.
  5. Porfiriev, B., & Svedin, L. (2002). Crisis Management in Russia: Overcoming Institutional Rigidity and Resource Constraints. Stockholm: CRISMART. https://elibrary.ru/item.asp?id=27290710 
  6. Porfiriev, B.N. (2007). Disaster and Crisis Management in Transitional Societies: Commonalities and Peculiarities. In: Handbook of Disaster Research. Handbooks of Sociology and Social Research. Springer, New York, NY. https://doi.org/10.1007/978-0-387-32353-4_21
  7. Ramsay, C., & Struck, D. (2003). The Last Dive: A Father and Son’s Fatal Descent into the Ocean’s Depths. Harper Collins.
  8. Russell, R. (2001). The Kursk Disaster: A Case Study in Crisis Management. European Security, 10(1), 34-59.

OpenEdition vous propose de citer ce billet de la manière suivante :
Marc Jacquinet (28 décembre 2024). O desastre do submarino Kursk: Uma análise crítica do erro humano e do fracasso institucional. Critique du management. Consulté le 29 avril 2025 à l’adresse https://doi.org/10.58079/12zvw


Marc Jacquinet

https://orcid.org/0000-0003-1157-060X

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